Na ficção, O Guia do Mochileiro das Galáxias não é apenas um livro, é o guia de viagens mais popular do universo, com milhões de verbetes úteis para o viajante espacial. Aliás, é o mais popular de todos por duas razões: é mais barato que as publicações concorrentes e traz em sua capa, gravada em letras garrafais e amigáveis, a mensagem “não entre em pânico”.
Na vida real, a série de quatro (ou cinco) livros O Mochileiro das Galáxias é a obra máxima do escritor inglês Douglas Adams e um dos melhores trabalhos da literatura de ficção científica, com inúmeros admiradores ao redor do mundo.
Porém, vale salientar que o tema desta matéria na verdade começou como uma série de rádio. Com o sucesso do programa, repetindo-se inclusive quando foi lançado em fitas cassete, seu criador, Douglas Adams, resolveu transformá-la em livro. E assim, em 1979, chegava às livrarias a primeira parte de uma “trilogia de cinco livros” (ou seriam quatro? Mais para frente você vai saber o porquê dessa indecisão), como a série é carinhosamente chamada, O Guia do Mochileiro das Galáxias.
A série literária conta as desventuras de Arthur Dent, um típico inglês que luta para que sua casa não seja derrubada para a construção de uma rodovia. Um dia, seu amigo meio esquisitão Ford Prefect lhe revela ser um alien redator do Guia do Mochileiro das Galáxias, a mais popular publicação sobre turismo interplanetário. Ele tira Arthur a contragosto do planeta, só para a Terra ser destruída segundos depois pelos alienígenas vogons, burocratas espaciais que precisaram remover nosso planeta do caminho para construir uma auto-estrada.
A partir daí, as aventuras de Arthur por mundos e situações bizarras servem como inteligentes críticas à nossa sociedade, expondo as esquisitices e contradições humanas com muito bom humor. Humor esse tipicamente nonsense, beirando muitas vezes o surrealismo. Combinado com as visões filosóficas peculiares de Adams, essa mistura gera momentos sublimes, como a passagem onde uma baleia surge do nada durante uma queda livre e tem poucos segundos para colocar sua recém adquirida consciência em ordem e tentar compreender seu papel no mundo.
Outro ponto forte da obra é a escrita extremamente simples e coloquial de Adams, que não gasta muito tempo em detalhismos, deixando esse fator para a imaginação do leitor. Como conseqüência, é uma leitura extremamente rápida, afinal, cada livro varia entre 200 e 220 páginas.
Seu foco se concentra claramente nas relações entre os personagens e seu modo de compreender as situações que lhes acontecem, gerando as críticas, filosofias e a comicidade já citadas.
No entanto, Douglas também revela uma certa inaptidão para lidar com múltiplos personagens e situações. Em muitos momentos, fica aparente que ele ou não se preocupa em fechar situações apresentadas anteriormente, ou simplesmente as esqueceu. Personagens desaparecem sem deixar vestígios ou estavam numa situação X e quando voltam a dar as caras já estão em outra completamente diferente.
Sua escrita também é bastante irregular. É muito comum em todo o seu trabalho a alternância entre ótimos momentos com passagens mais chatas. Por sorte, a pouca quantidade de páginas ajuda a evitar que isso se torne um problema mais grave.
E para melhor entender essa mistura de crítica social, filosofia e humor no melhor estilo Monty Python, nada melhor que uma rápida passada por todos os livros da série.
O Guia do Mochileiro das Galáxias
(The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy – 1979)
O início das aventuras de Arthur apresenta os principais personagens. Além dele e Ford Prefect, há a também terrestre Trillian (que Arthur conhecera numa festa), Zaphod Beeblebrox, o insano presidente da galáxia, detentor de duas cabeças, e Marvin, um andróide que sofre de depressão e um dos mais queridos pelos fãs.
A bordo da nave Coração de Ouro, que possui um Gerador de Improbabilidade Infinita (para saber o que é isso e como funciona, só lendo o livro), a turma vai ter de lidar com os vogons, os aliens que destruíram a Terra e são criaturas tão chatas e sem imaginação que acabaram virando burocratas espaciais.
Este livro, na minha humilde opinião, tem em sua introdução o melhor começo da história da literatura. Em três páginas o autor apresenta a Terra e seus habitantes de forma sucinta e hilariante, ainda que seja uma baita crítica à nossa civilização.
É também nessa primeira parte que está a história do povo que construiu um megacomputador para chegar à resposta da grande questão: qual o sentido da vida, do universo e tudo mais? Após milhões de anos de processamento, a máquina chega à singela resposta: 42.
O Restaurante no Fim do Universo
(The Restaurant at the End of the Universe – 1980)
A turma da Coração de Ouro ruma para o tal restaurante, que de fato fica no fim do universo, ponto final de todo o tempo e espaço.
Único livro que mantém o mesmo pique do primeiro do início ao fim, tem ótimas passagens, como quando, já no restaurante, Arthur conhece o prato do dia.
O animal vivo oferece suas partes para a degustação dos clientes. Horrorizado, Arthur diz que não vai comer um animal que está se oferecendo para ser devorado. E Zaphod responde algo como “então, você prefere um que não queira ser comido?”.
Há também a passagem onde Zaphod é torturado no Vórtice da Perspectiva Total, uma máquina projetada para oferecer ao torturado sua real dimensão e papel na totalidade do universo.
A Vida, o Universo e Tudo Mais
(Life, the Universe and Everything – 1982)
Após os eventos do livro anterior, Arthur e Ford ficam presos na Terra Pré-Histórica, onde passam anos, até serem resgatados por um sujeito chamado Slartibartfast, que precisa da ajuda deles para evitar que o povo do planeta Krikkit (com tecnologia toda baseada no jogo de críquete) destrua o universo.
Esse terceiro episódio é uma grande alegoria para o racismo e, mesmo com tais críticas e o humor ainda afiado (é nesse livro que Douglas Adams ensina o método para uma pessoa aprender a voar) não chega a ser tão legal quanto os dois anteriores.
Até Mais, e Obrigado Pelos Peixes!
Arthur volta à Terra e fica deveras confuso, afinal ela havia sido destruída no primeiro livro. Duvidando de sua sanidade e de tudo que aconteceu nos tomos anteriores ser, de fato, verdade, ele acaba encontrando Fenchurch, a garota a quem Douglas Adams se refere na introdução de O Guia do Mochileiro das Galáxias, que descobriu como “o mundo poderia se tornar um lugar bom e feliz”. Juntos, eles partem numa jornada para descobrir porque estão num planeta que não deveria mais existir.
O livro que encerra a história dos anteriores é o mais irregular de todos. Peca por se concentrar demais em Arthur, deixando os outros personagens um pouco de lado. O final em aberto também pode não ser satisfatório para muitos e deixa muitas pontas soltas dos outros trabalhos sem explicação.
Praticamente Inofensiva
(Mostly Harmless – 1992)
O mais polêmico. Muitos o consideram a “quinta parte da trilogia” e outros tantos acreditam ser uma obra separada, pois além da enorme diferença de tempo desde Até Mais, e Obrigado pelos Peixes! (8 anos desde o lançamento deste último), e mesmo tendo os mesmos personagens, trata-se de uma história diferente, que funciona como um melancólico epílogo às aventuras dos quatro livros anteriores. É também o mais fraco e o menos engraçado dos cinco.
Os quatro primeiros volumes foram lançados no Brasil pela primeira vez pela editora Brasiliense. Depois foram novamente traduzidos e republicados entre 2004 e 2005 pela editora Sextante, para aproveitar a ocasião do lançamento da adaptação cinematográfica de 2005.
O Guia do Mochileiro das Galáxias, o filme, é baseado no primeiro livro, mas com trechos dos outros três posteriores incorporados à sua narrativa. Mesmo com um bom elenco e belos efeitos especiais, é muito inferior à série literária, ainda que não deixe de ser interessante uma conferida para ver como as loucuras de Douglas Adams foram transpostas visualmente.
Mas voltando ao verdadeiro tema da matéria, Praticamente Inofensiva permaneceu inédito no país até 2006, quando foi lançado pela Sextante, sendo que a própria editora tratou o livro como uma obra à parte. Fora não tê-lo lançado junto com os outros, ele também não possui o selinho na capa que indica qual parte da saga Mochileiro das Galáxias ele representa.
Sendo Praticamente Inofensiva a quinta parte ou não, e mesmo com toda a saga não sendo um trabalho perfeito graças aos problemas de irregularidade do autor, a série O Mochileiro das Galáxias ainda tem muito mais pontos positivos que negativos. É daquelas obras que aliam com maestria entretenimento e crítica. Diverte e faz pensar. Esses dois fatores aliados tornam-na obrigatória para qualquer fã de ficção cientifica.
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