segunda-feira, 26 de março de 2012

O fim da invencibilidade


É o conto de um rapaz e seu recorde. Estava invicto há 15 anos, se não mais. Ficou tanto tempo assim que até perdeu as contas exatas. Coisa estranha para se gabar, mas sentia um certo orgulho disso. Achava-se mais forte que os outros, que tinha mais controle. Era o mestre de seu domínio. O que consumia, ficava sob seu jugo.

A vida de campeão era boa. Não havia desafiantes à altura, nada oferecia perigo. Seu recorde estava fadado a continuar a aumentar. Não vou mentir, houve algumas ocasiões, poucas, é verdade, em que se sentiu ameaçado. Poderia perder o título num piscar de olhos, sentia subindo-lhe pela garganta. Nessas ocasiões, ou cuspia o excesso, demarcando o território, ou engolia em seco e partia para a próxima. Mestre de seu domínio, lembra?

Seguiu até se esquecer de como era estar naquela posição. Acomodou-se, relaxou. Baixou a guarda. Veio a fatídica noite. Já havia tido um prenúncio à tarde, mas como sempre fizera antes, domara o anseio, controlara a fera e cuspiu em seu corpo vencido, tomando uma lufada de ar fresco para recuperar a compostura.

À noite, tudo parecia normal, não fez nada fora do ordinário. A barriga um tanto vazia, verdade. Mas a fome logo depois foi aplacada com o pedido de sempre. A sede, afogada com a bebida, a de sempre novamente. Nada saiu do controle ali, ainda sentia-se senhor de suas terras. Eram onze da noite e tudo estava bem. Continuou a toada.

O tempo passou e tudo continuou bem. Chegou em casa e nem tudo estava tão bem. Sensação estranha, a cabeça girando e não conseguia avistar o oponente, mas sabia que ele estava lá, à espreita, pronto para desferir o golpe derradeiro. Apreendeu a inevitabilidade do fato.

Apesar dos 15 anos ou mais, não ficou nervoso, não esquentou a cabeça, lembrou-se do procedimento com uma clareza que não sabia ser possível. Entregou-se ao adversário superior e levou o golpe. Antes do longo período invicto, toda vez que acontecia ficava nervoso, não conseguia respirar durante o ocorrido.

Não dessa vez. Foi tomado por uma súbita calma, relaxou e entregou-se à maré. Foi pacífico, até estranhamente relaxante. A coisa toda levou menos de trinta segundos, e, ao fim, sentia-se muito melhor. Um fardo retirado de dentro de si. Não era mais o mestre de seu domínio e por ele tudo bem, o mundo não ia acabar por causa disso. Além do mais, sempre podia recomeçar a contagem. A vida é feita desses pequenos desafios. Recuperar, se não superar seu antigo recorde, seria apenas mais um.

Uma semana e contando.

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