terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A cerca


Perto da casa do meu pai no interior há um terreno baldio. Ele sempre esteve lá, desde que eu me lembro. Tem o tamanho exato de uma casa, mas por algum motivo que nunca soube, ou já esqueci, nunca ergueram nada ali.

Os moradores da rua improvisaram um banco de praça na frente e a criançada do bairro jogava bola ali. Fizeram uma trave com pedaços de pau que davam sopa lá dentro e a outra era aquela tradicional composta por chinelos e tênis de quem estivesse presente.

Até eu, que nunca fui de praticar qualquer esporte por livre e espontânea vontade, joguei ali em algumas ocasiões na minha infância e pré-adolescência. Marquei meus gols, catei no gol e sujei as bermudas e ralei os joelhos na terra batida do terreno. Sempre tinha molecada ali, fazendo barulho, enchendo a vizinhança de vida. Pra mim, isso definia a diferença entre cidades grandes e as do interior.

Fiquei uns quatro anos sem ir à casa do meu pai. Voltei lá nesse Natal. A primeira coisa que me chamou a atenção, assim que saltei do carro e meu olhar se dirigiu para o outro lado da rua, foi a cerca fechando o terreno. De outro modo continuava igualzinho, o mato baixo, o banco improvisado na frente. Mas a cerca de metal nova negando acesso era o corpo estranho ali.

De repente o bairro entristeceu. Nenhum pio durante o dia todo. De repente até o banco, ponto de encontro dos velhos, esvaziou num silêncio abismal, quebrado pelo eventual carro passando na rua que cruza. De repente aquilo não tinha mais cara de interior, onde ainda era possível jogar bola num terreno baldio. De repente parecia qualquer cidade grande, com seus espaços protegidos, entrada estritamente restrita, fique fora.

Subitamente o bairro se tornou muito mais antipático do que me lembrava. O mundo está cercado, deus me livre a molecada se divertir num dos poucos espaços verdes que existem dentro de um perímetro urbano. “Essa molecada de hoje é tudo nóia, vai é fumar maconha e crack”. Mas será que não sobrou ninguém a fim de bater uma bola?

Me senti escorraçado, indesejado. De repente não era mais bem-vindo ali. Cercas novas surgem a cada dia, nos empurrando para fora, destruindo opções. Nos obrigando a ficar dentro de casa, protegidos pelas cercas que nós mesmos colocamos. Mas pelo menos essas são nossas. O terreno próximo, mais baldio do que nunca.

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