Alguns dias atrás terminei de ler Imajica, de Clive Barker, um épico de fantasia com toques de terror que se estende por 827 páginas. É o que podemos chamar de “um livro grande”. Depois dele, creio que ficarei um bom tempo longe dos trabalhos do escritor inglês. Até porque já cobri praticamente toda sua bibliografia e só sobraram livros destinados ao público infanto-juvenil para ler, o que não me atrai nem um honorável pouquinho.
Mas não é essa a questão aqui. Levei pouco mais de um mês para ler o livro, de segunda a sexta (finais de semana são reservados para a leitura de HQs!). Não tenho problemas com livros gigantes, nunca tive preguiça de encará-los. Mas para ter uma quantidade monstruosa de páginas, sempre acreditei ser preciso ter uma quantidade igualmente monstruosa de conteúdo. Não foi o caso.
Temos aqui um trio de personagens com destinos interligados, que descobrem a existência de um mundo fantástico cheio de maravilhas e também de horrores. Eles exploram estas novas terras, se envolvem em intrigas, perigos e blá-blá-blá. Se você conhece minimamente a literatura de fantasia, já sabe bem como a banda toca. O que não compreendo é como uma história básica dessas não podia ser explorada em, digamos, cerca de 400 páginas, metade de seu tamanho original. Era bem viável e a obra não perderia suas qualidades.
Mas Barker é um cara prolixo, a esmagadora maioria de seus romances tem de 500 páginas para mais. Ele gosta de desenvolver cada mínimo detalhe. E isso finalmente me torrou a paciência em Imajica. Ao criar essa narrativa ultradetalhada, Barker acaba inadvertidamente tirando uma das maiores graças da literatura: deixar elementos para serem preenchidos pela imaginação do leitor.
Eu gostaria de imaginar por mim mesmo ao menos como seriam algumas das criaturas que habitam o mundo criado por ele, mas ele não dá oportunidade, descrevendo em rigor de detalhes até a mais insignificante delas. Também não preciso saber o que todos os personagens estão pensando e sentindo a cada momento, é informação demais e muita coisa desnecessária.
Contribuiu para o meu enfastiamento o fato de ter lido o livro no inglês original (ele nunca foi publicado por aqui). A leitura se torna instantaneamente mais devagar e cansativa, por ser uma língua que, independente do quanto você domine, não é seu idioma original, e sempre vai exigir mais atenção e esforço. Esse elemento somado ao fator tamanho e, ao final da segunda semana, já estava contando as páginas para acabar logo, mesmo sabendo que mal havia chegado ainda na metade.
E quando você passa a maior parte do tempo torcendo para vencer logo as páginas ao invés de deixá-las transportá-lo para o universo proposto pelo autor, aí você sabe que há algo errado.
No penúltimo livro dele que li, O Jogo da Perdição, há um prefácio do autor onde ele explica que, antes de sentar para escrever este que é seu primeiro romance de terror, analisou o que estava na moda na literatura do gênero. Percebeu que a tendência eram livros longos e por isso decidiu que ia escrever um o maior que pudesse. Simples assim. O cara não tinha nem um fiapo de argumento ainda, mas já havia se decidido a, sozinho, dar uma grande ajuda à indústria da celulose. Creio que foi nesse momento que o encanto se perdeu e Imajica foi só a confirmação da inevitável decepção.
Compreensível que um autor estreante queira jogar pelas normas do mercado, não há demérito algum nisso, gente que escreve livros também precisa comer. Mas usar a forma pela forma, e não pelo que você realmente quer contar não é nada bacana, pra dizer o mínimo. Um exercício estético de vez em quando não faz a mal a ninguém, mas fazer disso toda uma carreira já é um pouco demais para mim.
Não consigo evitar a sensação de que se Clive fosse um novato hoje em dia, escreveria trilogias sobre vampiros fosforescentes porque é isso que está vendendo. Esse prefácio teve um efeito devastador sobre mim, perdi todo o respeito pelo cara, o que só se confirmou de vez com essa última leitura.
Eu o achava um escritor mais talentoso do que o assim chamado “mestre do gênero”, um tal de Stephen King. Para mim, Barker tinha mais culhões. Enquanto King sugeria, Clive mostrava em toda sua glória e horror. Stephen sempre teve certas barreiras morais que Clive não se importava em ultrapassar. As histórias de King são um tanto caretas e até certinhas, enquanto Barker vai até o escatológico se for preciso para garantir uma imagem perturbadora.
Contudo, Stephen King sabe a hora certa de parar de escrever. É só ver a obra do cara, há volumes imensos e livros curtos que dá para ler numa sentada, compreendendo os mais variados tamanhos entre esses dois extremos. King, vim a concluir, leva, contudo, uma grande vantagem sobre Clive. Ele é um “picareta” (aqui no bom sentido da palavra) muito mais talentoso. É capaz de escrever um romance inteiro sobre absolutamente nada (uma espécie de Seinfeld do terror) e você fica entretido durante toda a leitura. Tirei essa conclusão após ler Buick 8, um livro onde nada acontece e ainda assim não conseguia parar de ler.
Barker não tem essa manha. Quando você percebe que ele está querendo te enrolar, as páginas parecem ter 20 metros de comprimento, nunca chegam ao fim. Você começa a pesar na balança se vale a pena ou não abandonar a leitura naquele ponto do campeonato. Mas aí você percebe que teria se dedicado a 400 páginas em vão e decide encarar as 400 restantes com a vontade de uma criança sendo obrigada a engolir um remédio ruim.
Por fim venci e finquei minha bandeira no ponto final. Nunca me senti tão exausto ao terminar uma leitura que devia ser entretenimento. Minha paciência acabou, minha tolerância chegou a níveis quase inexistentes. Clive Barker levou alguns anos, mas finalmente conseguiu me encher o saco. Tudo que bastou foram 827 excessivas páginas. Bom trabalho, parabéns. Dever cumprido. Agora vou ali ler uns contos para dar uma contrabalançada.
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