É
uma coisa meio Jekyll e Hyde, meio Incrível Hulk. Ele também acreditava que
havia um monstro furioso dentro dele esperando qualquer descuido para escapar,
fazer um estrago, descontar a raiva contida.
Não
acreditava que, ao se descontrolar, virava uma grande criatura verde que
convenientemente nunca perdia as calças, mas acreditava que durante os acessos
mudava, sim. Transformava-se em algo horripilante. Algo que não reconheceria no
espelho.
As
feições mudadas, deformadas por toda aquela raiva cega que não sabia explicar
de onde saía, nem de onde vinha ou para onde ia. Num momento estava tudo bem, e
então acontecia, num estalar de dedos. Metamorfose, a criatura irracional e
incontrolável assumindo o comando. O ato de destruição inconsequente. E, ao
final, como o resultado da passagem de um furacão, a trilha de destroços e os
estragos a serem mensurados.
O
monstro não assume responsabilidade alguma. Vem, vê e estraga. Para logo depois
sumir nas profundezas da alma de seu alter
ego, esperando e espreitando pela próxima oportunidade de escapulir. Sua
outra metade que se vire com os danos. Que conserte tudo, lide com a vergonha e
com as relações abaladas, talvez prestes a desmoronar.
Se
um lado é implacável e livre de culpa, o racional pesa tudo e se remói, se
tortura sem parar por atos que não são inteiramente culpa sua. Não se pode
mudar a genética. No fim, tudo não passa de um infeliz acidente genético. Está
tudo gravado no DNA, e não há técnica de aprimoramento que o combata. Como um
bebê que nasce na água já nadando, a vontade de estragar tudo sem medir consequências
deriva do mesmo caldo primordial.
O
lado racional vem depois, quando a criatura já se foi, para analisar e
controlar o incêndio, administrando a tragédia como um burocrata cansado. Preso
na rotina. Só mais um dia na vida, tudo dentre a mais perfeita normalidade. O
monstro? “Ah, normal”, ele responderia. “Isso acontece muito por aqui. Manja
Tóquio e o Godzilla? Então, é quase igual”.
Entre
um episódio e outro, o calmo e recém controlado alter ego vai juntando os cacos, recompondo o controle de sua vida
momentaneamente tomada por sua versão mais furiosa. Contando os minutos para o
próximo surto, pois sabe que é inevitável. Quando o monstro se manifesta, o
melhor é sair do caminho e torcer para acabar logo. Antes que algo importante
finalmente seja despedaçado além de qualquer reparo.
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