terça-feira, 2 de outubro de 2012

O monstro se manifesta


É uma coisa meio Jekyll e Hyde, meio Incrível Hulk. Ele também acreditava que havia um monstro furioso dentro dele esperando qualquer descuido para escapar, fazer um estrago, descontar a raiva contida.

Não acreditava que, ao se descontrolar, virava uma grande criatura verde que convenientemente nunca perdia as calças, mas acreditava que durante os acessos mudava, sim. Transformava-se em algo horripilante. Algo que não reconheceria no espelho.

As feições mudadas, deformadas por toda aquela raiva cega que não sabia explicar de onde saía, nem de onde vinha ou para onde ia. Num momento estava tudo bem, e então acontecia, num estalar de dedos. Metamorfose, a criatura irracional e incontrolável assumindo o comando. O ato de destruição inconsequente. E, ao final, como o resultado da passagem de um furacão, a trilha de destroços e os estragos a serem mensurados.

O monstro não assume responsabilidade alguma. Vem, vê e estraga. Para logo depois sumir nas profundezas da alma de seu alter ego, esperando e espreitando pela próxima oportunidade de escapulir. Sua outra metade que se vire com os danos. Que conserte tudo, lide com a vergonha e com as relações abaladas, talvez prestes a desmoronar.

Se um lado é implacável e livre de culpa, o racional pesa tudo e se remói, se tortura sem parar por atos que não são inteiramente culpa sua. Não se pode mudar a genética. No fim, tudo não passa de um infeliz acidente genético. Está tudo gravado no DNA, e não há técnica de aprimoramento que o combata. Como um bebê que nasce na água já nadando, a vontade de estragar tudo sem medir consequências deriva do mesmo caldo primordial.

O lado racional vem depois, quando a criatura já se foi, para analisar e controlar o incêndio, administrando a tragédia como um burocrata cansado. Preso na rotina. Só mais um dia na vida, tudo dentre a mais perfeita normalidade. O monstro? “Ah, normal”, ele responderia. “Isso acontece muito por aqui. Manja Tóquio e o Godzilla? Então, é quase igual”.

Entre um episódio e outro, o calmo e recém controlado alter ego vai juntando os cacos, recompondo o controle de sua vida momentaneamente tomada por sua versão mais furiosa. Contando os minutos para o próximo surto, pois sabe que é inevitável. Quando o monstro se manifesta, o melhor é sair do caminho e torcer para acabar logo. Antes que algo importante finalmente seja despedaçado além de qualquer reparo.

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