Recentemente
voltei a ler um dos meus autores de quadrinhos favoritos: Alan Moore. Já conheço seus trabalhos mais famosos e
aclamados há tempos. Agora estou me concentrando em suas obras menos conhecidas
e/ou menos elogiadas. Coisas mais recentes, de sua fase já “de bode” das grandes
editoras.
Foi
aí que peguei a série Promethea para
ler, sem saber de absolutamente nada do que se tratava. Publicada por seu selo
America’s Best Comics na Wildstorm (que, incidentalmente, é propriedade da major DC) entre 1999 e 2005, era material
antigo. Na minha cabeça, qualquer coisa circa
anos 2000 já é velho, exceto quando se trata de rock, o que é algo curioso, mas
assunto a ser explorado talvez num outro texto. Voltando ao que interessa: nunca
tinha lido nada a respeito desse título em revistas ou sites especializados. Imaginei que seria um trabalho menor – de
pouca expressão – do barbudo inglês.
Suas
32 edições explodiram minha cabeça como há um bom tempo não acontecia. A última
vez que me senti assim com uma HQ, com a plena certeza de estar lendo algo
especial, de outra esfera, que ficaria em minha memória para sempre, foi com o Sandman de Neil Gaiman. Vale esclarecer,
eu não li Sandman na época em que foi
publicado no Brasil pela primeira vez, mas sim quando a Conrad o relançou
naqueles volumes bonitões de capa dura. Ou seja, não faz tanto tempo quanto
possa parecer da afirmação inicial.
O
engraçado é que as duas obras são primas conceituais e filosóficas em sua
exploração do onírico, da criatividade em estado bruto fluindo pelas páginas,
cheias de erudição e referências mil.
Na
trama da super-heroína que é uma ideia fictícia tornada viva pela imaginação
coletiva, Alan Moore fala sobre o poder da criatividade, do surgimento das
ideias e de conceitos universais como nossa capacidade ilimitada de imaginação,
vida após a morte, espiritualidade e religião. Pega praticamente todas as
grandes questões humanas e as interliga em sua maneira pessoal, conferindo
sentido e criando seu próprio mito. E ainda dá uma aula completa sobre cabala.
Coisa séria, de quem pesquisou e estudou a fundo. Não de quem achou a camada
superficial bonitinha após ver num clipe da Madonna.
Ler
uma história dessas causa duas reações distintas em pretensos escritores como
eu. Por um lado maravilha, fascina. A qualquer um que trabalhe contando
histórias, que viva da imaginação, a trama se propõe a ir no cerne da questão:
de onde tiramos essas coisas? É tão criativo que é impossível não se contaminar
instantaneamente por milhões de ideias, pegar a caneta e começar a rabiscar no
pedaço de papel mais próximo o primeiro rascunho de qualquer coisa. É isso que
toda boa obra de literatura deve fazer, instigar, não apenas divertir, mas
passar adiante um legado. E isso, Promethea
faz com gosto.
Por
outro lado, impossível para alguém que se aventure no mundo das letras não
levar um golpe bem dado no ego. Um verdadeiro chute no saco da autoestima. Caso
V de Vingança, Watchmen,
Do Inferno ou A Piada Mortal tenham ficado muito no passado, Promethea serviu para relembrar que Alan Moore é de outro nível, o
sujeito não sabe brincar que nem gente comum e qualquer outro que tente fica
parecendo café com leite.
É
inevitável a sensação que veio e sempre me vem depois de ler qualquer grande
obra literária em qualquer formato. A vontade de enfiar o teclado no saco e
nunca mais escrever uma linha, poupar-me de passar vergonha. Afinal, sei de
minhas capacidades e limitações. Sei que posso tentar décadas e não chegarei
nem perto de escrever algo tão bom. Ler uma grande obra para alguém com
aspirações literárias, ao menos no meu caso, tem o efeito daquela máquina da
perspectiva total do Guia do Mochileiro das Galáxias:
você subitamente compreende seu tamanho real e sua importância no universo e
não suporta a verdade.
Mas
esse efeito adverso é passageiro, e alguns dias depois, já recuperado da
paulada, lembro-me que nem só de Alan Moores, Salingers, Dostoievskis, etc. é
feito o mundo literário. Ele também é feito por seus Dan Browns e Sidney
Sheldons (e aí me refiro à qualidade e não número de vendas, se não fico
deprimido de novo) da vida. E de repente a competição fica bem mais fácil. Com
um pouco da inspiração e empolgação que obras como Promethea espalham feito vírus, já dá para ficar mais animado nesse
sentido.
Se
não dá para entrar no panteão daqueles que residem nos céus, conforme de tempos
em tempos seus residentes nos esfregam o fato na cara com suas melhores obras,
ao menos nos inspiram a competir por um lugar ao sol em terra mesmo. E se tudo
mais falhar, um consolo: pelo menos chapei o coco por 32 edições.
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