quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Fahrenheit 451



Um mundo sem cultura, onde a televisão entorpece mentes, livros são proibidos e vistos como uma atividade anti-social e bombeiros não apagam incêndios, mas os causam para queimar as obras de literatura. Esse é o assustador mundo de Fahrenheit 451.

Baseado no livro do escritor americano de ficção científica Ray Bradbury e dirigido pelo francês François Truffaut, mestre da nouvelle vague, o filme mostra esse futuro não tão distante assim, pela ótica de Montag (Oskar Werner) um dos bombeiros responsáveis por encontrar e queimar os proibidos livros.
          
A princípio um fiel seguidor desta lei sem nexo, aos poucos a inevitável curiosidade humana o leva a querer saber o que dizem as obras que ele incinera diariamente, o que o fará questionar as regras da sociedade e se rebelar contra o status vigente.
          
A idéia da película é boa e já rendeu milhares de filmes similares posteriormente, com o conceito de um controle forte da sociedade a partir da supressão da cultura, nesse caso específico, representada pelos livros.
           
É interessante notar que a linguagem escrita não aparece nenhuma vez no cotidiano dos personagens (exceção feita quando algum deles lê um livro). Assim, só restam números e a imagem ganha uma importância absurda. Até mesmo o jornal que Montag lê constantemente é composto apenas por figuras.
          
Esse fato também caracteriza uma ferrenha crítica à televisão, retratada como o mais poderoso instrumento de controle, servindo como um “anestésico” e manipulador de informações, algo muito familiar à nossa sociedade atual. É até engraçado a contradição mostrada na obra, com os livros taxados de estimularem a anti-sociabilidade, para logo em seguida mostrar as pessoas em suas casas, sem contato ou diálogo, sentadas em frente à TV feito zumbis. Interessante notar também que já na década de 60 havia o conceito da TV interativa, algo que ainda engatinha atualmente.
          
No entanto, mesmo com essas duras e pesadas críticas, o filme escorrega em dois momentos. O primeiro, ao não explicar como numa sociedade que aparentemente aboliu toda e qualquer forma de linguagem escrita, as pessoas ainda sabem ler. Pode-se argumentar que a proibição aos livros é algo relativamente recente ou que apenas eles foram proibidos e o alfabeto ainda é ensinado. Mas para um melhor domínio da população, não seria mais eficaz suprimir a escrita e a leitura de vez?
           
Alguma referência sobre esse fato, ainda que mínima, com certeza não faria nenhum mal ao andamento da narrativa.
          
O outro momento é que, ao criticar a perda de personalidade causada pela falta de leitura e, portanto, do estímulo da imaginação, fazendo os indivíduos perderem sua identidade, ao mostrar o outro lado da moeda, acarreta-se o mesmo problema.
          
Ao final da película, Montag toma conhecimento da existência de uma pequena comunidade de pessoas amantes da literatura e ruma para lá. Ao chegar, descobre que as chamadas “pessoas-livro” fazem jus à sua designação. Elas não têm mais nome próprio, são conhecidas apenas como as obras que representam. E isso não é legal. Sem identidade, tanto faz se você é um zumbi da cidade ou Sonhos de Uma Noite de Verão, de Shakespeare, sua existência ainda é nula.
          
A idéia é bacana, e sem dúvida até surpreendente, ainda que se precise de uma enorme força de vontade para acreditar que um sujeito realmente consiga decorar um livro palavra por palavra e não se esquecer nunca de nenhuma passagem, mas nesse ponto a crítica saiu pela culatra.
          
No mais, é sempre um prazer constatar o total domínio de cena que Truffaut consegue imprimir (mesmo em um trabalho fora de suas características habituais), com movimentos de câmera precisos e ritmo narrativo na medida certa.
          
Já o estilo de atuação pouco realista e a direção de arte (incluindo figurinos) são elementos que envelheceram mal, ainda que não afetem em nada a apreciação do filme.
          
Fahrenheit 451 não é o melhor trabalho de Truffaut e nem mesmo uma das melhores ficções científicas do cinema, mas suas críticas e contradições ainda são válidas e necessárias, principalmente nos dias de hoje, quando muito do futuro retratado no filme parece já ter chegado para nós.

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