quinta-feira, 9 de abril de 2020

Meio Mad Max


Para quem sempre gostou de cenários pós-apocalípticos, é curioso como alguns deles ultimamente ameaçam de acontecer (ou começam a ocorrer) na vida real.

Ruas vazias, comércio fechado, idiotas estocando mantimento, os aproveitadores de sempre tentando se dar bem com o medo e apreensão da população. Se você já viu um filme ou leu um livro/quadrinho de temática pós-apocalíptica, conhece esses lugares comuns. Às vezes eles saltam da ficção para a realidade.

A definição é errônea. O apocalipse não aconteceu (ainda). Talvez daqui há mais dois ou três vírus, quem sabe os mortos não passem a caminhar sobre a terra por falta de lugar no inferno.

Por enquanto o cenário não é tão ermo. Não chegamos lá, estamos apenas a caminho. Como no primeiro Mad Max, onde a civilização ainda não havia desmoronado, mas o pano de fundo dava a entender que tudo estava indo para o saco, embora as instituições fizessem um último esforço para manter a ordem. Era preciso prestar atenção nas conversas e informes do rádio da polícia para pegar os detalhes desse panorama.

Ou ainda The Rover – A Caçada, que se passa numa situação similar, com menos detalhes ainda. Parece ser um colapso econômico levando o mundo à boca da ruína da sociedade. E qual é a dos australianos com esse tipo de construção de mundo, a um passo da falência total? O que será que eles sabem lá do outro lado do planeta?

Eu sempre gostei desse tipo de história, tanto as verdadeiramente pós-apocalípticas quanto as do tipo “à beira do colapso”. É um bom exercício imaginar o mundo em alguma situação similar, como seria viver nele.

E eis que ultimamente nem precisamos mais desse exercício. Quando, numa segunda-feira que não é feriado nem qualquer outra data especial, você tem ruas vazias, quase desertas, com menos trânsito que nas festas de fim de ano? Comércio fechado, poucas pessoas andando pelas ruas, muitas de máscara. Faltou só aquela decoração de fim de mundo, asfalto rachado (bom, isso até que é fácil de encontrar...), prédios ruindo, o mato invadindo as rachaduras no concreto, aquelas folhas de jornal carregadas pelo vento.

E uma paz que há muito não se via na terceira maior cidade do mundo. E para tudo isso acontecer, bastou apenas um vírus se alastrar... Situação de ficção científica deixando todo mundo em casa e provando que teríamos mais qualidade de vida com menos gente por perto.

E é óbvio que, justo quando a recomendação é de se isolar em casa, aí é que bate aquela vontade de ir lá pra fora, curiosidade mórbida misturada à chance poucas vezes oferecida de se poder conferir ao vivo e a cores o cenário descrito pouco mais acima.

Além da Cúpula do Trovão

Antes disso veio aquela greve dos caminhoneiros que cortou o fornecimento de combustível. Filas nos postos, racionamento dos veículos, meios de transporte alternativos. Por que é que nos filmes pós-apocalípticos ninguém anda de bicicleta?

Gasolina virou, naquelas semanas, uma commodity rara e valiosa O que é mais Mad Max do que isso? Lorde Humungus, o Aiatolá do Rock n’ Roll, ficaria orgulhoso.

Novamente ruas mais vazias, noticiários beirando o fantástico, uma chacoalhada no status quo que eu sempre achei bem interessante. Um dia você tem, no outro não. Tudo pode acabar assim, do dia para a noite. Seja a gasolina, seja o cotidiano de uma metrópole. Meu espírito de porco vibra.

Engraçado que naquele período, ironicamente, fui viajar de carro (após conseguir um pouco do precioso líquido com meu amigo Humungus). Na metade do trajeto parei num posto. Não para abastecer, mas para esticar as pernas, usar o banheiro, comprar um tira-gosto. O local estava quase deserto, nada dos ônibus que sempre paravam lá, um ou dois carros, moscas voando e um cachorro sarnento.

E vindo do sistema de som do local, Tina Turner cantando We Don’t Need Another Hero. Não seria mais perfeito nem se alguém tivesse escrito isso. Nem se tivesse saído da imaginação do próprio George Miller. Porque estava acontecendo. Uma sincronicidade incrível ou o gaiato que controlava o sistema de som também era fã de Mad Max e também reconheceu a situação que fazia ecos à série e a trilha sonora perfeita para o momento?

Gosto de acreditar no primeiro pela pureza, mas o segundo também me agrada pelo senso de humor similar ao meu. É sempre bom saber que em tempos que se aproximam do fim ainda há ironia no ar. Mesmo que venha misturada a um vírus letal. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário