segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A janela do inferno fica no terceiro andar


Essa porra dessa janela deve estar emperrada. Não fecha nunca, faça chuva ou faça sol. Nem com uma invasão de gafanhotos os desgraçados fecham a janela. Vizinho não se escolhe, você apenas se segura para não assassiná-los.

O apartamento do casal deve ter 2 metros de profundidade, só assim para explicar eles estarem sempre, em qualquer momento, na frente da janela. Já conheci quitinetes mais aconchegantes. Talvez estejam tentando fugir dos berros do filho/filha pequeno (a). Não defino gênero porque ainda não sei que diabos é aquilo. Nunca vi a criatura. Diferente dos pais, ela nunca frequenta a janela. Vai ver é adotada. Vai ver ainda não alcança. Dela só ouço a voz, pulmões de aço, grita o dia inteiro. Quando está feliz, quando está triste, quando está com fome e quando quer ver televisão. Voz andrógina, indecifrável.

O casal tem uma TV de tela plana, 42 polegadas, pelos meus cálculos. Mas eles nunca assistem. Gostam mesmo é de ouvir música. A TV fica sempre ligada no canal de música da TV a cabo. O último refúgio dos preguiçosos e daqueles sem gosto musical, deixar o canal selecionar o que você vai ouvir. O mundo era melhor quando não existia essa opção.

Eles não têm bom gosto musical, largam em qualquer canal de pop adulto, contemporâneo ou saudosista, tanto faz. Gostam de ouvir alto. Eu já mencionei que a TV fica próxima à janela?

O som invade meu ambiente, principalmente à noite, especialmente quando estou tentando dormir. Contando carneirinhos e a porra da TV cantando na minha orelha:

Na madrugada, a vitrola rolando um blues, tocando BB King sem parar.

Isso não é cantiga de ninar, é a declamação da senha para o inferno. O homem ri alto, é uma das risadas mais antipáticas que já ouvi na vida. Ele a repete de quinze em quinze minutos. O cara se diverte a valer. Eu só quero enfiar a mão na goela dele e arrancar suas cordas vocais com meus próprios dedos nus. Vizinhos...

A madrugada avança e a vitrola rolando o tal do blues, trocando de biquíni sem parar.

“Aaaahhhh, vai, filho da puta!”

É a mulher. Eu não mencionei que eles gostam de trepar em frente à janela aberta? Falha minha.

Nossa! Uuuuhhh”. Ela é escandalosa. O cara parece muito bem saber quais botões apertar. Não é erótico. Eles transam ao som de Jorge Vercilo. A meu ver, qualquer um que faça sexo com uma trilha sonora dessas está cometendo um atentado violento contra um dos melhores atos da vida. Esse tipo de gente devia ser proibida de gozar.

“Aaaahhhh, caralho!”

Acho que ela gozou. Quem sabe agora não bate o sono pós-coito e eles vão dormir? Nada. Falta o cigarro de depois da transa. Só ela fuma, ele gosta de dar risada. Tapinha nas próprias costas por mais uma comida bem dada. Vizinhos...

Na madrugada, a vitrola rolando um blues, tocando Jorge Vercilo sem parar.


Comprei um rifle no mercado negro, conheço um cara em lugares baixos. Me fez um desconto bacana quando contei para o que era. Rifle de precisão, mira telescópica. Não sei usar essas merdas, mas o cara falou que é só mirar e atirar, não tem segredo.

Da janela do meu banheiro dá para apontar o negócio escondidinho e ainda pegando toda a janela deles. Deixo minha luz apagada. Estão lá na frente, ela fuma, ele ri. Gargalha. Parece que hoje vai ter. Vai, filho da puta. A TV toca uma música do mestre, o original. Vai, Djavan, nossa!

Quero mandar os dois pro inferno, mas aquele apartamento já parece ser uma versão terrena dele. Será que dá pra piorar? Existe algum Jorge Vercilo cover? Não é problema meu. O meu problema é que na madrugada, a vitrola rolando um blues, tocando BB King sem parar. Sem parar. Sem parar!

Faço uni-duni-tê, o escolhido foi você, homem. Miro na testa. Ele gargalha de alguma coisa. Vai rindo. Puxo o gatilho e o estampido ecoa pela janela. Depois ela. Vai, filha da puta, nooossa. Foi bom pra você? Vizinhos...

Só sobrou a TV. Com aquela vitrola rolando um blues na madrugada. Até que não é uma música tão ruim assim.

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