terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Casa dos segredos


Entre, a casa é sua, ele costumava dizer às eventuais visitas que vinham parar à sua porta. Não deixava de ser verdade, ainda que meia verdade. Seria completa não fosse pelo quarto dos fundos, a porta sempre trancada.

O que havia dentro era uma grande incógnita que só ele conhecia. O quarto dos fundos era fora dos limites. A visita podia abrir sua geladeira e pôr os pés na mesa de centro, mas nunca passar daquela porta no final do corredor. Perguntas sobre seu conteúdo não eram incentivadas. Especulações a respeito do que havia dentro, desencorajadas com lancinantes olhares de reprovação. Ele era firme quanto à sua política a respeito daquele quarto, mais firme do que jamais fora quanto ao resto da casa.

Sabia da inevitável curiosidade que seu comportamento errático com relação àquele aposento e o resto de seu domicílio inevitavelmente gerava, mas não havia nada que pudesse fazer, era uma consequência natural e até esperada.

As pessoas insistiam, pediam, algumas até imploravam. Diziam que sua casa era cheia de segredos. Ele respondia que era mentira, os segredos todos estavam em apenas um quarto. Diziam-lhe que isso não fazia bem, que verdadeiros amigos/amantes/família não tinham ou não deviam ter o que esconder. Ele tinha e afirmava com certo orgulho.

A porta sempre trancada. Não adiantava girar a maçaneta ou olhar pelo buraco da fechadura, lá dentro sempre escuro, sem possibilidade de qualquer vislumbre. Ele nunca dava pistas, não importava o quanto se tentasse enrolá-lo numa conversa.

Os mais tenazes perdiam a compostura e caíam de joelhos, prometendo que, caso fossem agraciados com o privilégio de poder compartilhar o segredo do quarto dos fundos, jamais o repartiriam com mais ninguém. Ele ia até se sentir muito melhor tendo outra pessoa em quem confidenciar.

A esse tipo de gente, os demasiadamente insistentes, que se recusavam a partir sem ver o último quarto da casa, ele pensava seriamente. Não deveria, mas a vontade crescia dentro dele. O coração acelerava, sua consciência se desligava. Em seus ombros, dois diabinhos tentando-lhe a conceder o desejo da visita. Lutava contra, mas invariavelmente perdia e por fim, falsa resignação disfarçando genuína felicidade, concordava.

Tudo era uma questão de pedir com jeitinho. O jeito certo.

Levava a pessoa pelo corredor. Tirava a chave de uma corrente no pescoço e destrancava a porta. Conduzia o felizardo para dentro e acendia a luz forte, enquanto trancava novamente a porta, dessa vez atrás deles.

Ao menos até o próximo insistente aparecer – e odiava admitir que tinham razão, era mesmo um alívio – naquela casa não havia mais segredos.

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